14 de jul. de 2008

Construindo o racismo (na escola)

- "Galinha preta de macumba!"
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"Nêgo de macumba!"

Destaques meus da notícia abaixo publicada no jornal O Dia.

Professora chama aluno de 'galinha preta de macumba' em Santa Cruz.
Menino de 10 anos demorou para copiar tarefa e ainda foi ameaçado de agressão.

Por: Jorge Carrasco

Rio - Acusação de racismo contra um aluno de 10 anos em sala de aula levou a professora Maria Helena Lima da Silva Coelho Rodrigues, do Ciep Ismael Nery, em Santa Cruz, ao banco dos réus em ação no 19º Juizado Especial Criminal e na 14ª Vara Cível.

Os juízes ainda não chegaram a uma conclusão, mas a Secretaria Municipal de Educação já deu seu veredito: inocentou-a e arquivou a sindicância interna. A decisão da prefeitura revoltou o Conselho Estadual dos Direitos do Negro, que vai notificar o Ministério Público.

O estudante da 4ª série do Ensino Fundamental contou aos pais que a professora xingou-o de “galinha preta de macumba” e “nego de macumba”, como noticiou nesta quinta-feira Ricardo Boechat, em sua coluna em O DIA. O caso foi registrado na 36ª DP (Santa Cruz), que concluiu haver indícios suficientes para o caso ser levado à Justiça.

“Ela me chamou de ‘galinha preta de macumba’ e disse na frente de todo mundo que eu iria ver quando o filho dela de 16 anos me batesse. Abaixei a cabeça e fiquei quieto”, contou J., 10 anos.

O episódio aconteceu dia 25 de fevereiro e, segundo ele, foi motivado por sua demora em copiar a lição.

Menino chorou

“Essa professora deve ser incriminada. Através de uma atitude racista, ela deforma o aluno em vez de formá-lo. Ela deve ser afastada e punida”, defende o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro, Paulo Roberto dos Santos, que acompanha o caso.

“Ele me perguntou o que era racismo e o que acontecia quando alguém era chamado de negro. Só no fim do dia teve coragem para falar o que ocorreu. Ele estava triste e chorou. No dia seguinte, procurei a professora. Ela me disse que fez o comentário de brincadeira”, contou a mãe do aluno, a doméstica S., 36. “Ela terá que pagar pelo que fez. Quero respeito com o meu filho”, desabafou o pai, o segurança G., 40. Através da Defensoria Pública, a família também cobra nos tribunais indenização por danos morais. O aluno ainda estuda com Maria Helena. “A diretora propôs trocá-lo de turma. Não aceitei, pois eles devem conviver juntos e com respeito”, exigiu a mãe de J..

Se condenada, a professora pode pegar 3 anos de prisão por injúria qualificada por racismo, pena que pode ser aumentada pois a ofensa ocorreu diante de várias pessoas. Procurada, Helena não quis comentar o assunto.

Fonte: O Dia On line em 20/6/2008 as 11:44:00

O que leva uma educadora a cometer contra uma criança de 10 anos, seu aluno tamanha violência verbal e psicológica?

Contudo, este fato serve para dar uma dimensão importante sobre algumas dificuldades e resistências que existem para a implementação da lei 11.645, o racismo e o preconceito do próprio educador.

Seria ingênuo acreditarmos que as dificuldades estão apenas na falta de recursos ou na falta de estímulos profissionais para que os professores tenham acesso à capacitação para os novos conteúdos requeridos para a sua implementação.

São necessários certos mecanismos para avaliação, apoio e acompanhamento de professores e alunos, sem eles as boas iniciativas e as boas intenções encontrarão barreiras poderosas e difíceis de remover.

São iniciativas que precisam contar com todos os atores envolvidos tanto no âmbito educacional como do movimento negro formando parcerias entre Estado e sociedade civil.

Vale citar um trecho da publicação do MEC-Cecad "Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais" dirigido aos professores dos diversos níveis de ensino:

"...estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas públicas como privadas, a temática racial tende a aparecer como um elemento para a inferiorização daquele(a) aluno(a) identificado(a) como negro(a). Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhos ou jocosos, que identificam alunos(as) negros(as), sinalizam que, também na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo das práticas racistas e discriminatórias."

"Sistematicamente, a sociedade brasileira tende a fazer, ainda hoje, vista grossa aos muitos casos que tomam o espaço da mídia nacional mostrando o quanto ainda é preciso lutar para que todos e todas recebam uma educação igualitária, que possibilite o desenvolvimento intelectual e emocional (...) Com isso, os(as) profissionais de educação permanecem na não-percepção do entrave promovido por eles(as), ao não compreenderem em quais momentos sua atitude diária acabam por cometer práticas favorecedoras de apenas parte de seus grupos de alunos e alunas." (Introdução por Eliane Cavalleiro; pag.21)

Este trecho possibilita uma boa compreensão sobre o fato ocorrido, há no primeiro plano uma questão legal que concerne aos direitos civis violados - direitos da criança previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e crime de racismo previsto na lei Caó. Além de infrações ao Estatuto do Servidor Público e ao próprio estatuto profissional do educador.

Em segundo plano, há uma questão para uma análise crítica que deve ser observada sobre o modo como o poder emanado pelo aparato escolar se institui, mantém, desenvolve e é exercido diretamente sobre os alunos negros e indiretamente em todo o corpo escolar.

O discurso racista que se manifesta na voz da professora é apenas uma ponta capilar do racismo institucional que acaba legitimado por interesses corporativistas que se sobrepõe ao interesse público e aos direitos do cidadão.

E na medida que o interesse público não se manifesta e se omite são mantidas inalteradas e mesmo fortalecidas as formas violentas do discurso e do exercício do poder, seja pela polícia bandida, seja pelos marginalizados sociais, ambos clientes do mesmo sistema de ensino com encontro marcado logo ali na frente, na violência contra todos.

Com este acontecimento e o desfecho dado pela direção da escola e pela Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, escola em que possivelmente a maioria dos alunos serão negros, podemos deduzir que estas crianças se tornaram vítimas e reféns deste sistema de ensino público.

Preconceito racial e religioso, intolerância, violência psicológica e ameaça de violência física são crimes previstos em lei e compõe neste quadro cruel a intenção de ofender a dignidade de uma criança negra, sua família e as tradições culturais e religiosas afro-brasileiras.

O dano causado pela continuada omissão - pública e institucional - ao ato agressor vai se perpetuar no agredido enquanto a sociedade continuar fazendo vista grossa deixando de oferecer além de uma ação educativa, também uma reparação.

E não mais por falta de leis, mas por omissão e condescendência sustentada por uma poderosa ideologia racista que mantém na invisibilidade civil o negro ao negar seu direito à auto-estima e à cidadania. Lá, onde deveriam estar sendo construídos, numa escola.

O vídeo o "Feiticeiro Negro" traz uma mensagem para refletirmos sobre tal fato. A canção de Carlos Buby ajuda na reflexão sobre a intolerância e o obscurantismo que cercam as religiões de matriz africana que sofrem hoje uma perseguição fanática de seitas cristãs sem que a sociedade mais uma vez se dê conta da dimensão que se forma em torno destas iniciativas racistas.



2 comentários:

Jorge Nascimento disse...

Após a leitura deste fato que é um crime e assistir ao vídeo, é sempre bom lembrar que os Hebreus, segundo eles, ´´povo escolhido por Deus``, acendiam velas para seus ancestrais e rezavam para as almas deles, exatamente como os africanos faziam antes destes e continuam fazendo, assim como os afro-brasileiros, faz-se mister dizer que ´´Mandinga`` é o nome de uma etnia existente no Marrocos, norte da África, de onde saíram alguns Mouros, para transmitir os conhecimentos de uso da energia eólica, do astrolábio, a arte de navegar, o saneamento básico e o costume de tomar banho aos habitantes da Península Ibérica, portugueses e espanhóis, quando da Expansão Islâmica.

´´Macumba`` é um instrumento musical, semelhante à um tambor, a circunsição à que foram submetidos Moisés, Abraão e Davi era um costume africano, muito antes destes homens nascerem, bem como a ´´Grande Nação`` prometida por Deus à Abraão, começou com um elemento negro, Ismael, filho da egípcia Agar.

E Cheik Anta Diop e outros já provaram que a humanidade nasceu na África, portanto somos todos afro-descendentes.

A História... é da África e a África ainda está para ser conhecida...

Paz para todos.

Anônimo disse...

Meu estimado amigo: parabéns pelo video Feiticeiro Negro.Também estou aqui para reiterar minha admiração e grande respeito ao seu trabalho e dizer também que estou divulgando ValeuZumbi no meu humilde blog e nos meus encontros literários na UPE. Bjos de luz e paz em Zumbi. Valeu! Valerá sempre. Graça Graúna