18 de mar. de 2008

A Páscoa Quilombola


A Páscoa afrobrasileira é uma Páscoa Quilombola.


O legado da Páscoa é uma tradição religiosa que senão é praticada por todos, ao menos é muito bem lembrada pela propaganda comercial que faz o apelo ao consumo massivo de produtos típicos transferindo para o ato consumista a fé popular.

A ampliação da consciência e das expressões da identidade negra, o desenvolvimento cultural afrobrasileiro contemporâneo e o crescimento da sua participatividade social e política implicam uma ressignificação ou a criação de novos símbolos que representem este ethos afrodescendente.

A palavra Páscoa deriva da palavra Pessach de origem hebraica que significa a Passagem que marca o evento de fuga do povo judeu da escravidão no Egito.

Na origem da Páscoa cristã se encontra uma simbologia multicultural composta por diversas religiosidades presente em diversos povos.

Da religiosidade celta foi apropriado o símbolo da fertilidade representado pelo coelho, os ovos estão presentes em todas as culturas desde a mais remota antiguidade e também representam a fertilidade.

Estes significados de passagem - Pessach - no sentido de uma mudança libertadora, da fertilidade em que o coelho e o ovo representam o nascimento ou o renascimento foram os que deram significado a Ressurreição e a celebração da Páscoa cristã estabelecida no Concílio de Nicéia no ano 325.

O uso do chocolate na Páscoa é uma contribuição dos espanhóis e franceses iniciada aproximadamente no século XIX quando seu uso substituiu os ovos de aves cozidos e decorados e os ovos de confeitaria que eram feitos com açúcar. O chocolate originário da região amazônica e que foi levado para a Europa pelos espanhóis propicia uma ligação com a origem e uso sagrado do cacau pelos povos maias e astecas nas Américas.


Para os brasileiros os quilombos representam a passagem para o renascimento do povo negro que chegou aqui escravizado e neles construiu o sentido mais profundo da formação da identidade negra na diáspora africana no Brasil colonial.

O nexo da vivência libertadora nos quilombos é dado pela transformação criativa da vida em busca de um novo sentido para a sua sobrevivência individual e coletiva. Uma transformação que ocorre através de adaptações, resignificações e invenções que criam um vasto e novo campo de possibilidades e experimentações sociais, culturais e religiosas.

Portanto, ousemos tanto quanto nos for possível por nossa vontade, capacidade criadora e por uma necessidade primordial de resistência à opressão racista cotidiana e também, pela necessidade de reinventarmos a identidade nacional porque pretendemos um país melhor.

Hoje, nas celebrações da Páscoa é mais preponderante um caráter comercial que se apropriou dos símbolos religiosos para promover os produtos gastronômicos típicos da comemoração transformando o consumo num novo ato religioso.

A Páscoa quilombola deve ser vista como uma expressão cultural afrobrasileira para se comemorar a luta do povo negro que viveu a sua ‘diáspora’ no tráfico negreiro e a sua 'epopéia' na luta, fuga e resistência a escravidão realizando nos quilombos espalhados por todo o país e ainda hoje existentes um recomeço para uma nova existência com dignidade e justiça.

Os quilombos estão inscritos na história do Brasil e são um símbolo da cultura nacional e da luta contra a escravidão colonial.

Por um lado, estamos impregnados pelos símbolos cristãos por crenças, hábitos, costumes, afetos, desejos e também pelos hábitos de consumo que traduzem esta tradição.

Por outro lado, também estamos pregnados de necessidades, valores e desejos de reconstrução de uma identidade negra nacional e libertadora que tem seu mais profundo sentido numa vivência sem as amarras do racismo.

É aí que podemos encontrar o sentido para uma ressignificação da Páscoa numa perspectiva afrobrasileira autêntica e libertadora dos símbolos que serviram à opressão do povo negro.

Cada data de nosso calendário nacional precisa se libertar dos significados opressivos distinguindo-se das formas de comemorações que naturalizam a opressão e a desigualdade social.


Com a lei 11.645/08 que introduz a História e Cultura Afrobrasileira e Indígena no ensino fundamental e médio público e privado, negros e indígenas finalmente tem assegurados o direito a reescreverem e conhecerem a sua própria história. História que os ativistas, educadores, publicistas entre outros profissionais comprometidos com a ética da educação e das comunicações devem refletir e aprofundar como questões em seu processo contínuo de reescrita.

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