7 de ago. de 2008

Lei 11.645: reinvenção da fábula das três raças? (4)

Esta postagens faz parte um resumo que venho publicando em partes de um artigo do antropólogo Roberto Da Matta, A fábula das três raças publicado no livro Relativizando editado pela Vozes.

Lembra o autor que o "racismo" nasce no século XVIII na França pré-insurgente da Revolução Francesa em que a nobreza ameaçada cria uma doutrina política para tentar se manter no poder narrando uma origem heróica para o povo e na qual seria por ela conduzido para um destino glorioso e para isto se atribuia uma origem quase divina por sua origem de nascimento.

No século XIX esta doutrina ressurge com nova roupagem como um "instrumento do imperialismo e como uma justificativa "natural" para a supremacia dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mundo". Ela agora envolvia as novas teorias evoluciostas que eram vistas como científicas dando assim ares de verdade ao racismo. Foram nestas teorias que as elites brasileiras se apoiaram e sobretudo na tese defendida pelo francês Conde de Gobineau que nomeado por Napoleão III tornou-se embaixador da França no Brasil.

Vários daqueles teóricos racistas europeus e norte-americanos em suas referências ao Brasil alertavam para um "futuro altamente duvidoso" ocasionado pelas "junções raciais entre negros, brancos e índios" que eles condenavam.

Gobineau defendia a tese de que "a sociedade brasileira era inviável porque possuia uma enorme população "mestiça", fruto do "cruzamento de raças diferentes". Também, o zoólogo suiço, Louis Agassiz declarou em visita ao Brasil que a "deterioração decorrente do amálgama de raças (...) vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, híbrido deficiente em energia física e mental".

Nas teorias racistas prevalecem o determinismo em que as "diferenciações biológicas são vistas como tipos acabados e que cada tipo está determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsicos ao seu componente biológico".

A publicação em 1855 pelo Conde de Gobineau do livro "A Diversidade Moral e Intelectual das Raças" apresentava uma escala que colocava no topo a raça branca, secundado pela raça amarela e por fim a raça negra. Esta escala se baseava nas características de a) "intelecto"; b) "propensões animais" e c) "manifestações morais". 
Este esquema racial de Gobineau seguia um "código natural" que traçaria características imutáveis pela origem biológica de cada ser humano o que formaria uma "perfeita equação entre traços biológicos, psicológicos e posição histórica". Para Gobineau, "as civilizações decaíam, arruinavam-se, eram conquistadas e se desenvolviam ou desapareciam porque sua "história racial" conduzia a misturas infelizes dos traços contidos em cada unidade racial, por isso, ele manifestava uma preocupação com o destino da raça branca no Brasil que aqui estaria perdendo suas qualidades.

Este esquema que oferecia uma visão "totalizada e acabada" da realidade serviu de moldura para uma "percepção empírica da história da sociedade brasileira que se encontrava concretamente dividida em segmentos, cujo poder e prestígio diferencial e hierarquizado correspondia, grosso modo, aos diferentes tipos físicos e origens sociais".

Para Da Matta, a teoria racista de Gobineau inaugura não só uma reflexão sobre a dinâmica das raças como abre a discussão sobre as dinâmicas sociais servindo ainda para as especulações sobre os "resultados dso cruzamentos raciais" ao qual vão se somar " fatores mais profundos relacionados a formação social, cultural e histórica do Brasil" levando a "adoção e permanência do racismo como ideologia e tema de reflexão científica no país".

14 de jul. de 2008

Construindo o racismo (na escola)

- "Galinha preta de macumba!"
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"Nêgo de macumba!"

Destaques meus da notícia abaixo publicada no jornal O Dia.

Professora chama aluno de 'galinha preta de macumba' em Santa Cruz.
Menino de 10 anos demorou para copiar tarefa e ainda foi ameaçado de agressão.

Por: Jorge Carrasco

Rio - Acusação de racismo contra um aluno de 10 anos em sala de aula levou a professora Maria Helena Lima da Silva Coelho Rodrigues, do Ciep Ismael Nery, em Santa Cruz, ao banco dos réus em ação no 19º Juizado Especial Criminal e na 14ª Vara Cível.

Os juízes ainda não chegaram a uma conclusão, mas a Secretaria Municipal de Educação já deu seu veredito: inocentou-a e arquivou a sindicância interna. A decisão da prefeitura revoltou o Conselho Estadual dos Direitos do Negro, que vai notificar o Ministério Público.

O estudante da 4ª série do Ensino Fundamental contou aos pais que a professora xingou-o de “galinha preta de macumba” e “nego de macumba”, como noticiou nesta quinta-feira Ricardo Boechat, em sua coluna em O DIA. O caso foi registrado na 36ª DP (Santa Cruz), que concluiu haver indícios suficientes para o caso ser levado à Justiça.

“Ela me chamou de ‘galinha preta de macumba’ e disse na frente de todo mundo que eu iria ver quando o filho dela de 16 anos me batesse. Abaixei a cabeça e fiquei quieto”, contou J., 10 anos.

O episódio aconteceu dia 25 de fevereiro e, segundo ele, foi motivado por sua demora em copiar a lição.

Menino chorou

“Essa professora deve ser incriminada. Através de uma atitude racista, ela deforma o aluno em vez de formá-lo. Ela deve ser afastada e punida”, defende o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro, Paulo Roberto dos Santos, que acompanha o caso.

“Ele me perguntou o que era racismo e o que acontecia quando alguém era chamado de negro. Só no fim do dia teve coragem para falar o que ocorreu. Ele estava triste e chorou. No dia seguinte, procurei a professora. Ela me disse que fez o comentário de brincadeira”, contou a mãe do aluno, a doméstica S., 36. “Ela terá que pagar pelo que fez. Quero respeito com o meu filho”, desabafou o pai, o segurança G., 40. Através da Defensoria Pública, a família também cobra nos tribunais indenização por danos morais. O aluno ainda estuda com Maria Helena. “A diretora propôs trocá-lo de turma. Não aceitei, pois eles devem conviver juntos e com respeito”, exigiu a mãe de J..

Se condenada, a professora pode pegar 3 anos de prisão por injúria qualificada por racismo, pena que pode ser aumentada pois a ofensa ocorreu diante de várias pessoas. Procurada, Helena não quis comentar o assunto.

Fonte: O Dia On line em 20/6/2008 as 11:44:00

O que leva uma educadora a cometer contra uma criança de 10 anos, seu aluno tamanha violência verbal e psicológica?

Contudo, este fato serve para dar uma dimensão importante sobre algumas dificuldades e resistências que existem para a implementação da lei 11.645, o racismo e o preconceito do próprio educador.

Seria ingênuo acreditarmos que as dificuldades estão apenas na falta de recursos ou na falta de estímulos profissionais para que os professores tenham acesso à capacitação para os novos conteúdos requeridos para a sua implementação.

São necessários certos mecanismos para avaliação, apoio e acompanhamento de professores e alunos, sem eles as boas iniciativas e as boas intenções encontrarão barreiras poderosas e difíceis de remover.

São iniciativas que precisam contar com todos os atores envolvidos tanto no âmbito educacional como do movimento negro formando parcerias entre Estado e sociedade civil.

Vale citar um trecho da publicação do MEC-Cecad "Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais" dirigido aos professores dos diversos níveis de ensino:

"...estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas públicas como privadas, a temática racial tende a aparecer como um elemento para a inferiorização daquele(a) aluno(a) identificado(a) como negro(a). Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhos ou jocosos, que identificam alunos(as) negros(as), sinalizam que, também na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo das práticas racistas e discriminatórias."

"Sistematicamente, a sociedade brasileira tende a fazer, ainda hoje, vista grossa aos muitos casos que tomam o espaço da mídia nacional mostrando o quanto ainda é preciso lutar para que todos e todas recebam uma educação igualitária, que possibilite o desenvolvimento intelectual e emocional (...) Com isso, os(as) profissionais de educação permanecem na não-percepção do entrave promovido por eles(as), ao não compreenderem em quais momentos sua atitude diária acabam por cometer práticas favorecedoras de apenas parte de seus grupos de alunos e alunas." (Introdução por Eliane Cavalleiro; pag.21)

Este trecho possibilita uma boa compreensão sobre o fato ocorrido, há no primeiro plano uma questão legal que concerne aos direitos civis violados - direitos da criança previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e crime de racismo previsto na lei Caó. Além de infrações ao Estatuto do Servidor Público e ao próprio estatuto profissional do educador.

Em segundo plano, há uma questão para uma análise crítica que deve ser observada sobre o modo como o poder emanado pelo aparato escolar se institui, mantém, desenvolve e é exercido diretamente sobre os alunos negros e indiretamente em todo o corpo escolar.

O discurso racista que se manifesta na voz da professora é apenas uma ponta capilar do racismo institucional que acaba legitimado por interesses corporativistas que se sobrepõe ao interesse público e aos direitos do cidadão.

E na medida que o interesse público não se manifesta e se omite são mantidas inalteradas e mesmo fortalecidas as formas violentas do discurso e do exercício do poder, seja pela polícia bandida, seja pelos marginalizados sociais, ambos clientes do mesmo sistema de ensino com encontro marcado logo ali na frente, na violência contra todos.

Com este acontecimento e o desfecho dado pela direção da escola e pela Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, escola em que possivelmente a maioria dos alunos serão negros, podemos deduzir que estas crianças se tornaram vítimas e reféns deste sistema de ensino público.

Preconceito racial e religioso, intolerância, violência psicológica e ameaça de violência física são crimes previstos em lei e compõe neste quadro cruel a intenção de ofender a dignidade de uma criança negra, sua família e as tradições culturais e religiosas afro-brasileiras.

O dano causado pela continuada omissão - pública e institucional - ao ato agressor vai se perpetuar no agredido enquanto a sociedade continuar fazendo vista grossa deixando de oferecer além de uma ação educativa, também uma reparação.

E não mais por falta de leis, mas por omissão e condescendência sustentada por uma poderosa ideologia racista que mantém na invisibilidade civil o negro ao negar seu direito à auto-estima e à cidadania. Lá, onde deveriam estar sendo construídos, numa escola.

O vídeo o "Feiticeiro Negro" traz uma mensagem para refletirmos sobre tal fato. A canção de Carlos Buby ajuda na reflexão sobre a intolerância e o obscurantismo que cercam as religiões de matriz africana que sofrem hoje uma perseguição fanática de seitas cristãs sem que a sociedade mais uma vez se dê conta da dimensão que se forma em torno destas iniciativas racistas.